A jornada de um líder tradicional para acabar com a violência baseada no género em Moçambique

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Os líderes comunitários trabalham em estreita colaboração com as comunidades e organizações da sociedade civil, sensibilizando as comunidade para as consequências das uniões prematuras e remetendo os casos para as autoridades governamentais nos sectores da saúde, bem-estar social, polícia e justiça. Foto: UNICEF Moçambique/Ricardo Franco
7 dezembro 2021

NAMPULA, Moçambique - Em Moçambique, os líderes comunitários e tradicionais são altamente respeitados e actuam como guardiões das normas sociais. Podem também ser poderosos aliados na desconstrução de práticas nocivas contra mulheres e raparigas nas suas comunidades.

Com uma pilha de manuais de Direito debaixo do seu braço, Augusto Cabide, de 74 anos, um líder tradicional de Marere, na província de Nampula, partilha a sua história.

"O que me faz continuar é ajudar a evitar que as raparigas engravidem ou se casem por serem pobres. Não quero que isto aconteça. Não quero mesmo que isto aconteça.", Augusto Cabide, líder comunitário em Nampula

No ano passado, Augusto Cabide participou numa sessão de formação para líderes tradicionais sobre Prevenção e Resposta à Violência Baseada no Género, no Centro de Assistência Integrada (CAI), na cidade de Nampula, norte de Moçambique. Desde então, tomou a iniciativa de trazer mudanças à sua comunidade. Estes centros, funcionam como pontos de “paragem-única" que permitem aos sobreviventes de violência denunciar o seu agressor, procurar cuidados médicos e ter acesso a aconselhamento num único local, sem ter de recontar a sua história várias vezes ou reviver o seu trauma.

"Recebemos formação aqui na CAI, (...) foi muito importante para orientar o nosso trabalho. Sabemos agora que também desempenhamos um papel na prevenção e resposta à violência baseada no género".

O centro foi reabilitado e equipado com o apoio da Iniciativa Spotlight, um programa liderado pelo Ministério de Género, Criança e Acção Social (MGCAS), financiado pela União Europeia e em parceria com as Nações Unidas e organizações da sociedade civil. É um dos 24 centros geridos pelo Governo que integram serviços de saúde, acção social, polícia e justiça sob o mesmo tecto, prestando cuidados vitais, especialmente a mulheres e raparigas vítimas de violência em todo o país.

Durante a formação, o Sr. Cabide tomou conhecimento do mecanismo multisectorial do país para responder à violência baseada no género, a que as sobreviventes podem aceder através de vários pontos de entrada, tais como os Centros de Assistência Integrada, unidades de saúde, serviços amigos dos adolescentes, esquadras de polícia ou instituições de justiça.

"A formação foi muito importante", diz o Sr. Cabide, que é um entre mais de 300 líderes formados pela Iniciativa Spotlight em todo o país.

 

Augusto Cabide, líder comunitário da província de Nampula
Augusto Cabide, líder comunitário da província de Nampula, formado pela Iniciativa Spotlight para prevenir a violência baseada no género e as uniões prematuras. Foto: ONU Moçambique/Laura Lambo

AJUDAR AS SOBREVIVENTES A ACEDEREM A APOIO E SERVIÇOS

Agora, o Sr. Cabide sabe o que fazer quando recebe uma denúncia de violência na sua comunidade; em vez de procurar um acordo através das práticas habituais, o Sr. Cabide remete o caso para o CAI.

Ele sabe que uma vez lá, as sobreviventes têm apoio integrado sem terem de recontar a sua história, revisitar o seu trauma várias vezes ou viajar para locais diferentes, melhorando assim a confidencialidade.

Ele também sabe que os casos serão encaminhados para o sistema judicial, aumentando as hipóteses de punir os perpetradores e de proteger os sobreviventes.

"Quando um caso [de violência] me é relatado, e como não tenho competência para o resolver, encaminho o caso para o centro. Digo aos outros líderes que devem fazer o mesmo", diz o Sr. Cabide. 

De acordo com a última Inquérito Demográfico e de Saúde (DHS 2011), 37 por cento das mulheres moçambicanas entre os 15 e 49 anos de idade sofrem violência durante as suas vidas, e uma em cada duas raparigas casam antes dos 18 - uma das mais altas taxas de casamento infantil do mundo.

 

INFLUENCIANDO OUTROS A ACABAR COM A VIOLÊNCIA BASEADA NO GÉNERO 

Apesar da prevalência da violência contra as mulheres e raparigas em Moçambique, o Sr. Cabide continua determinado. Ele sabe que conta com o apoio do Governo e  Lei.

"O que me faz continuar é ajudar a evitar que as raparigas engravidem ou se casem por serem pobres. Não quero que isto aconteça. Não quero mesmo que isto aconteça".

Os líderes tradicionais como o Sr. Cabide dão um forte exemplo e têm uma influência positiva sobre os seus pares.

"Desde a formação, tenho falado a outros líderes sobre este centro. O Governo investiu nele e nós precisamos de o promover. Existem leis que punem [a violência]. Este é o nosso centro, está nas nossas mãos reencaminhar os casos".

As instituições governamentais dos sectores do bem-estar social, saúde, justiça e polícia, lideradas pelo Ministério de Género, Criança e Acção Social, são a espinha dorsal da Iniciativa Spotlight em Moçambique, juntamente com mais de 20 organizações da sociedade civil (OSC). Juntas, atingiram mais de 1,9 milhões de pessoas, das quais mais de 1,1 milhões são mulheres e raparigas em 10 distritos das províncias de Gaza, Manica e Nampula.

 

Por Leonor Costa Neves com reportagem de Laura Lambo