“As raparigas deveriam poder concentra-se apenas nos estudos”: como o activismo muda a vida das raparigas em Moçambique

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Maria regressou à escola depois de quase se ter tornado noiva ainda criança. O apoio de Ivone, uma activista que trabalha na província de Nampula pela eliminação da VBG e práticas nocivas, foi essencial para a criar um ambiente seguro para a rapariga voltar a casa. Foto: FNUAP/ Hélder Xavier
25 novembro 2022

MOGOVOLAS, Moçambique - Com os seus cadernos nos braços e um sorriso aberto, Maria*, com 16 anos, prepara-se para mais um dia de escola. Ela frequenta a 9ª classe no distrito de Mogovolas, na província de Nampula, e sonha em tornar-se enfermeira.

“A Maria é uma estudante empenhada, e até agora está a ir muito bem na escola”, partilha Ivone Adelino, uma activista que é mentora e presta apoio a raparigas através do Fórum Mulher, uma organização da sociedade civil parceira da Iniciativa Spotlight.

Uma das funções da Ivone é a de identificar lugares para  organizar e facilitar sessões de mentoria para raparigas, nas quais possam ser discutidos tópicos relacionados com os direitos da Mulher e empoderamento económico. As sessões acontecem duas vezes por semana, e nelas, Ivone encoraja as raparigas a reportar situações onde os seus direitos não tenham sido cumpridos, aconselhando-as também a que continuem os seus estudos.

"Eu disse que não podia casar porque não tinha a idade recomendada". - Maria, estudante da 9ª classe

Quando não está na escola, Maria passa o seu tempo livre com amigas/os e a ajudar a sua tia com as lides domésticas. Apesar de ter perdido os seus pais muito nova, Maria considera-se uma rapariga feliz.

“Não tenho razões de queixa. Ela é uma boa rapariga, esforçada e muito respeitadora,” partilha a tia de Maria, com quem a rapariga vive.

A vida de Maria, no entanto, ia tomando um rumo diferente quando ela quase se tornou noiva ainda criança, uma realidade que afecta centenas de raparigas em Moçambique, onde quase metade das raparigas casa com menos de 18 anos (DHS, 2011). 

Quando Maria estava na 7ª classe, a menina foi abordada pela sua avó para casar com um homem mais velho. Ao recusar, foi convidada a sair de casa e acabou por desistir da escola. Depois de viver com diferentes familiares, ela voltou a enfrentar pressões para se casar novamente. "Eu disse que não podia casar porque não tinha a idade recomendada", diz Maria, acrescentando: "Além disso, eu precisava de terminar os meus estudos". A pressão acabou por forçar Maria a viver sozinha.

No início deste ano, quando Ivone questionou o porquê da rapariga não frequentar a escola, Maria desfez-se em lágrimas e explicou a sua situação. Rapidamente, a activista Ivone contactou os familiares da rapariga para falar com eles sobre os riscos e consequências de uniões prematuras e forçadas e relatou a situação às autoridades locais.

Maria acabou por ser acolhida por outra tia e continua agora o seu ciclo escolar, evitando uma união prematura: um destino que teria comprometido o seu futuro e o seu direito à autonomia sobre a sua vida e corpo. "É um orgulho para nós vê-la de volta à escola", partilha Ivone.

"É um orgulho para nós vê-la de volta à escola". - Ivone Adelino, activista e mentora

Maria faz agora parte de um grupo de raparigas que participa em sessões de mentoria, aprendendo sobre a prevenção e denúncia de casos de uniões prematuras e forçadas e de Violência Baseada no Género. Nos últimos três anos, mais de 45.000 raparigas e mulheres jovens na província de Nampula beneficiaram destas sessões de mentoria e campanhas comunitárias porta-a-porta.

Aprendendo com a sua situação, Maria partilha: "Tenho aconselhado outras raparigas como eu a concentrarem-se nos seus estudos e a recusarem-se, tantas vezes quantas forem necessárias, a casar antes de atingirem a sua idade legal.As raparigas deveriam poder concentra-se apenas nos estudos”.

Num esforço para eliminar a Violência Baseada no Género e outras práticas nocivas, a Iniciativa Spotlight envolve activistas, grupos e associações comunitárias em Nampula na facilitação de sessões de diálogo comunitário, campanhas de sensibilização porta-a-porta, educação entre pares, formação sobre direitos sexuais e reprodutivos e prevenção da Violência Baseada no Género.

Em 2021, a Iniciativa Spotlight em Moçambique formou mais de 500 activistas e mentores comunitários para a realização de campanhas de sensibilização presenciais nas províncias de Gaza, Manica e Nampula, atingindo mais de 700.000 pessoas. Ao aumentar o conhecimento e a consciência dos seus direitos, raparigas como Maria estão mais preparadas para dizer 'não' às uniões prematuras, procurar apoio e viver a vida que realmente merecem.

A Iniciativa Spotlight é uma iniciativa global das Nações Unidas que tem recebido o apoio generoso da União Europeia. O seu objectivo é o de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas. Em Moçambique, a Iniciativa Spotlight é liderada pelo Ministério de Género, Criança e Acção Social (MGCAS) em parceria com as Nações Unidas e organizações da sociedade civil (OSC).

 

*O nome foi alterado para proteger a identidade da entrevistada

Por Hélder Xavier e Jessica Lomelin